sábado, 19 de fevereiro de 2011

Imagine

Eu não posso negar que sou influenciado por muitas letras de músicas, principalmente se forem de Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, MPB, Beatles e outros tantos bons. Há alguns meses, quando eu pedia o cancelamento de minha ordenação ao sacerdócio protestante presbiteriano, alguém humildimente me perguntou: mas irmão, será que você não está sendo levado por alguma vã filosofia? 

O bom homem se referia ao texto escrito pelo cristão e apóstolo Paulo, que advertiu aos cristãos da antiga cidade de Colossos dizendo: cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua vã filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme o rudimento do mundo e não segundo a Cristo (Carta de Paulo aos Colossenses, cap. 2, verso 8). Em meio aos tantos letrados que me interrogavam à mesa estava este homem, que foi o mais simples, profundo e acertivo. Alguns dos letrados presentes apenas me olhavam se perguntando: como esse fedaputa (lê-se "rapaz") faz isso com a gente? Ou quem sabe: por que eu não tive coragem de fazer isso ainda? Mas deixemos isto pra lá (por enquanto).

É verdade "bom homem", eu me deixo ser levado por todo pensamento livre, aberto e bem formulado. Gosto de observar o que os outros tem a dizer. Se eu seguir a lógica de Paulo no texto supracitado eu terei que dizer que pouco dos pensadores que ouço ou leio se opõem a ele, Jesus. Normalmente estes se opõem à interpretação cristã acerca do próprio Jesus. 



Talvez a música de Imagine, de  John Lennon - que dá título a este post - pode ser considerada por muitos uma das tantas "vãs filosofias" que me enredaram. Alguns podem até dizer que ela se opõe ao "evangelho (a boa notícia) segundo Jesus", mas não. Jesus até faz uma segunda voz para John em boa parte da música, especialmente na que diz: imagine não existir países, nada pelo que matar ou morrer e nenhuma religião também, imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz; imagine todas as pessoas compartilhando todo o mundo.

Isto basta! Aí está a mensagem de Jesus, John Lennon, Madre Tereza, Mandela, Gandhi e outros tantos homens semelhantes a nós que passaram por esta terra tentando mostrar a nós, consumidores egoístas, que precisamos compartilhar, olhar menos para nossas necessidades mesquinhas (as não-necessidades que pensamos serem necessidades) e socorrermos aqueles que estão morrendo todos os dias com reais necessidades.

Imagine se não houvessem fronteiras e vivêssemos em favor uns dos outros, lutando pelo bem comum e não para a preservação de nossas únicas vidas. Enquanto discutimos se há ou não verdades além do corpo e da mente ignoramos o que realmente há frente aos nossos olhos. Este nosso egoísmo e medo quanto ao que há além da vida é que nos faz criar um deus à nossa imagem e semelhança; daí sim tenho que concordar com Voltaire ao dizer que "se deus não existisse nós o inventaríamos", os crentes do deus ocidental (Deus, Jeová, Senhor etc) normalmente o têm como uma reposta ao, até então, desconhecido, ou ainda como um responsável pela salvação que levianamente não conseguem efetuar. Deus não pode ser uma resposta ao desconhecido, não pode ser o responsável pela salvação, não pode ser nossa imagem e semelhança - tudo isto é faculdade nossa. 

Eu aprendi a tropeçar em miseráveis quando vivi em Campinas/SP. A dinâmica da cidade grande nos deixa muito insensíveis. Na busca de separarmos mercenários de necessitados acabamos por desprezar a todos e, normalmente, ficamos tão apressados e apreensivos que nos desviamos dos intocáveis. Certa vez passei por uma rua onde se encontrava uma mulher com seu bebê, ambos sujos e mal cheirosos. Ela disse: moço, "me dá" um dinheiro pra "mim" comprar uma bolacha pro meu filho? Como recém adaptado à realidade, eu os pulei e simplesmente disse que não tinha dinheiro para ela. Mas a bendita música salva e condena minha alma há muitos anos. Enquanto eu a olhava e dizia não, seu bebê começou a chorar e, enquanto caminhava rumo ao meu destino, escutava-a cantando ao ouvido do bebê: Deus está aqui, aleluia, tão certo quanto o ar que eu respiro, tão certo quanto o amanhã que se levantará.

O que dizer nesta hora? O ar que o bebê estava respirando estava prestes a acabar e o amanhã talvez não se levantaria. A única imagem palpável de Deus acabara de ir embora sem nada lhe dar. Eu voltei até aquela família, charlatã ou não, e lhes dei as moedas que tinha nos bolsos (uns R$ 3,00). Sim, eu poderia ter comprado a bolacha e bla bla bla bla ... mas naquele dia todas as minhas belas palavras eram trapos, toda minha retórica um silêncio infindo.   

Teologia, filosofia e outras cogitações acadêmicas são todas vãs quando pensam que podem alimentar o corpo com palavras que enchem somente os ouvidos de promessas vazias que não alimentam o estômago. Aliás, qualquer mensagem sem ação é vã e vazia. 

Imagine there's no heaven, 
It's easy if you try. 
No hell below us 
above us only sky. 
Imagine all the people 
living for today...



"Já estou cheio de me sentir vazio." (Renato Russo)

"Nem só de palavras vive o homem." (Eu, um herege em potencial.)

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