quarta-feira, 29 de abril de 2009

O menino sem balinhas

Outro dia eu estava no ônibus quando entrou um daqueles vendedores das grudentas balinhas com todos os sabores possíveis. O seu discurso era o mesmo: boa tarde a todos, desculpem-me incomodá-los, mas eu sou uma "pessoa direita" e vendo estas balinhas para tirar o meu sustento, uma por R$0,50 e três por R$1,00.

Como eu gosto muito destas balinhas comprei logo três saquinhos. Ele vendeu as últimas balinhas e esperou pela próxima parada de ônibus. Enquanto o vendedor esperava começou a discursar ao léu: esta vida está difícil demais, isto tem que mudar, não aguento mais. Não há nada de bom pra mim na vida. Olhe só, não tenho roupas, comida, dinheiro. Tenho apenas R$5,50, preciso de R$6,00 para comprar mais três caixas para vender. Estou sem nada. E acrescentou: por que minha vida é assim? Esta vida tem que mudar.

Esta fala, acrescida de alguns xingamentos, fez-me questionar sobre algumas injustiças da vida. Perguntei-me sobre os porquês de tanta indiferença social, porém, ao mesmo tempo, meu status social, privilegiado em relação a aquele cidadão, levou-me a questionar sua incompetência diante da vida. Mas como de praxe o ônibus parou, o vendedor desceu e o este episódio passou.

No mesmo ônibus, duas paradas após, vi o cobrador sair do ônibus e voltar com uma cadeira de rodas nas mãos, seguido de uma mulher puxando pelos braços um garotinho de uns 10 anos, ele babava e ainda tinha suas pernas e braços atrofiados. Ele não recebeu muitos sorrisos por parte dos passageiros que ele olhava fixamente, ao invés disto ele viu uns semblantes curiosos, outros com expressões de nojo ou ainda de repulsa total.

A mulher que estav com ele o ajudou a se assentar no primeiro banco e, irriquieto, a todo tempo o garotinho sorria para a paisagem a sua direita, assim como para o motorista a sua esquerda. Em pouco mais de cinco minutos depois aquela alegria irradiante teve que descer, seu destino chegara. Antes de sair o menino não nos ofereceu balinhas, mas estendeu as mãos ao motorista e sorriu. Aquele aperto de mãos, seguido de um longo sorriso e um olhar oenetrante aqueceu a todos nós, preenchendo nossas frias almas. O menino não tinha balinhas, tinha, talvez, alguns motivos para reclamar da vida e da falta de balinhas.

Nem vi o rosto do motorista quando entrei no ônibus. Nem havia chegado ao meu destino e estava pensando na volta. Naquele horário muitos saiam de seus cansativos trabalhos, outros saiam de seus enfadonhos estudos, outros indo a ambos. O vendedor de balinhas injuriou-se da vida. Mas tinha alguém ali se enchendo dela, sentindo seu aroma, transmitindo-a, vivendo-a intensamente. Alguém ali dentro daquele ônibus sabia, de alguma maneira, o incomensurável valor da vida.

JESUS E GONZAGUINHA

Jesus, porém, chamando-as para junto de si, ordenou:
Deixai vir a mim os pequeninos e não os embaraceis,
porque dos tais é o reino de Deus. (Lucas 18.16)

O Que é o Que é
Composição: Gonzaguinha

Eu fico com a pureza da resposta das crianças:
é a vida, é bonita, e é bonita.
Viver é não ter a vergonha de ser feliz.
Cantar, e cantar, e cantar
a beleza de ser um eterno aprendiz.
Ah! meu Deus, eu sei.
Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será.
Mas isso não impede que eu repita:
é bonita, é bonita, é bonita.