terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Filho da Mãe

Google Imagens

Tem gente que está do mesmo lado que você, 
mas deveria estar do lado de lá... 
(Renato Russo)


João foi filho da Dona Maria por muitos anos. A Dona Maria o amava muito, seus abraços eram aconchegantes, sua vida estava protegida - Édipo e Jocasta. João cresceu e foi estudar na cidade do pai na intenção de dar um bom futuro para sua mãe. Mas chegando lá descobriu, aos poucos, que o carinho de sua mãe era um tanto quanto duvidoso e que todo esforço dela o cegara, não o permitindo ver alguns de seus comportamentos inumanos.

Ao concluir a faculdade João foi recebido com aquele abraço - já não retribuído igualmente. João bem que tentou, mas percebeu que seu amor pela mãe estava regado de desconfianças e, pior, começou a face multifacetada da mãe transparecia a cada objeto que ele encontrava nas gavetas que revirava. 

Que tragédia!
Coitado do João!
E agora Dona Maria?

Não tardou muito e João descobriu os amantes da mãe, suas prostituições e o fascínio que ela tinha pelo desprezo de quem não estava ao seu lado. O desejo de sempre adotar mais um filho revelara o amor condicional. 

Nossa! Que sofrimento, João. 

O que ele poderia fazer? Quem era sua mãe? Ela sempre fora assim? Sua visão estava condicionada?


Então João desistiu se afastar. Disse "adeus, preciso migrar para redescobrir quem somos". João bem que tentou deixar as portas abertas para sua volta, mas a mãe ficou inconformada com o abandono e, fechando-as, colocou muitos de seus irmãos contra o rebelde João. Ah, vale lembrar que alguns irmãos mantiveram contato e, ainda que fingissem, pareciam ainda amar o irmão João. 

O filho saiu a experimentar todas restrições que a mãe lhe impusera durante anos. Ficou ora decepcionado, pois não encontrara todo a perversidade para qual estava preparado, ora alucinado pela Aurora Boreal que estava além do horizonte até então ocultado. João descobriu que tudo era belo do lado de lá.

João fascinado começou a se esquecer da mãe. 

A esta altura do campeonato Dona Maria estava enfurecida. João não era mais o "joãozinho", era João, o ingrato esbanjador que iria "quebrar a cara" em algum momento da vida e veria que não havia abrigo mais seguro que debaixo de suas asas protetoras. Alguns dos fiéis filhos da mãe praguejavam dia e noite - quanto desperdício de energia.

Aliás, João percebera que alguns dos filhos da mãe também estavam incomodados com a mãe havia muito tempo, mas eram dependentes demais para deixar um amor tão cômodo. Alguns destes filhos ficaram em casa com muito ódio do João, o ingrato, pois ele ousara fazer o que estes sempre quiseram, mas nunca tiveram forças para desafiar a mãe, procriaram e deram a ela netos e bisnetos. 

Os indignados filhos da mãe anunciavam a qualquer transeunte que os tumores da mãe  (alguns mais velhos que os próprios filhos) eram frutos do filho sofrimento causado pelo filho ingrato. Mais desperdício de energia. O fato é que sempre houvera uma condição tácita no amor da Dona Maria. E, infelizmente, até que outro filho saia a explorar o mundo ou outro volte e atenda aos anseios doentios da mãe, João seguirá como ingrato, mas muito bem resolvido - acredito.