quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou...

E a mulher de Ló olhou para trás e converteu-se numa estátua de sal.
(A História do Gênesis, Moisés.)

Por algumas vezes eu cantei uma velha cantiga sobre a mulher de Ló com as crianças: ouça agora essa história de uma mulher que se deu mal, só porque olhou pra trás virou uma estátua de sal (Sandrinha). Para você que não conhece, ela é tipo aquelas cantigas que gritam “estátua”, e todos param em uma determinada posição. Nesta, a da mulher de Ló, fazemos caretas e rimos com elas, porém muitas vezes, menos que as crianças, pouco entendemos o verdadeiro sentido da história da mulher de Ló. Resumidamente a história bíblica fala sobre uma família que, sob ordem de Deus, fugia de uma cidade que estava prestes a morrer sob sua fúria que se manifestaria através de um fenômeno semelhante a um vulcão em erupção. Deus havia dito somente uma coisa a eles: não olhem para trás. A mulher de Ló desobedeceu e virou uma estátua de sal (O Livro de Gênesis, capítulo 19). Creio que alguma bola de fogo deve ter a atingido, carbonizando-a, que triste!

A história bíblica da mulher de Ló se parece muito com a dos antigos escravos hebreus no Egito (outra história narrada pelos primeiros livros do cânon bíblico) que, após serem resgatados dos sofrimentos do Egito, reclamaram e olharam para trás na tentativa de resgatarem os momentos de escravidão sob as mãos de Faraó (O Livro dos Números, capítulo 11).

Segundo o relato do livro de Gênesis, as antigas cidades de Sodoma e Gomorra passavam por dias em que seus habitantes estavam submersos em diversas perversões. A maioria dos religiosos diz que tais perversões eram “escandalosas atrocidades sexuais homoafetivas”. Mas não, eles não morreram por se entregarem às suas condições sexuais, sejam elas quais fossem. Desconfio que aqueles cidadãos haviam optado pela morte do corpo, da alma e da mente. Tal morte havia sido construída através de injustiças, imoralidades, abusos, mentiras e outros males contra a vida (o conceito de vida aqui está além da respiração). Os moradores das cidades de Sodoma e Gomorra estavam longe do amor a Deus, ao próximo e a eles mesmos. Então, segundo a história bíblica, Deus resolveu acabar com a bagunça e preservar a vida de alguns habitantes apenas; dentre eles estava a mulher de Ló (coitada).

Segundo as narrativas bíblicas, Deus lhes pediu somente uma coisa: a Ló e sua família que não olhassem para trás e prosseguissem morro acima dos montes de Zoar; aos escravos israelitas que atravessem um mar imprevisível e caminhassem por um deserto sufocante. Em ambas as histórias havia um sacrifico distinto a ser realizado. Na primeira era subir às pressas os montes sinuosos de Zoar, na segunda era simplesmente atravessar a pé um mar (um mar!?) e um deserto (um deserto!?) – coisas não tão simples em ambos os casos!

Creio que estas experiências não foram exclusivas aos contos bíblicos. De certa forma estas situações ainda costumam acontecer, não com a mesma literalidade, mas de outras formas. Ainda hoje também passamos por situações e constrangimentos inimagináveis e depois começamos a sair delas, mas não sem passarmos pelas nossas “colinas, desertos e mares”, ou seja, nossas mágoas e dores. É assim, até que saiamos completamente das adversidades passamos por desertos, atravessamos mares e subimos às pressas por colinas tortuosas. Este caminho é solitário para a maioria de nós, algumas vezes temos que passá-los com nossos familiares e amigos (o que deve ser mais difícil).

O ano de 2010 não foi fácil para muitas pessoas. Alguns deram adeus a familiares e amigos que morreram, outros passaram por momentos conturbados em seus casamentos, noivados ou namoros (muitos destes acabaram); outros ainda passaram por decisões difíceis de serem tomadas (muito perderam noites de sono); alguns tiveram doenças graves que deram gastos e trouxeram conflitos emocionais e até mesmo relacionais. Estes são os tais conflitos inimagináveis, estes são os momentos de dores e medos. Depois vêm as colinas, desertos e mares através das recuperações de doenças, depressão pós-separação ou ainda através das dificuldades de adaptação nas novas etapas. Ficamos com aquela sensação de que o problema não foi resolvido, a sensação de decepção por não terem alcançado a vitória imediata. Mas após as dores e feridas sempre há o processo de cicatrização.

Dor e medo são coisas constantes em nossas vidas. O medo é essencial para a preservação de qualquer espécie, todos os seres vivos sentem medo, até a ameba ou a ostra; se não houvesse o medo haveria muitas mortes prematuras, seriamos constantes suicidas. A dor é uma consequência de erros voluntários ou não, elas vêm de crises que nem sempre fomos os causadores, contudo elas têm um papel importantíssimo: elas deixam lições quando cicatrizam. Lições e não dores! Elas deixam marcas que nos lembram de como não fazer algo ou o que pode acontecer se repetirmos um erro, mas não deixam dores. Cicatrizes que doem são apenas feridas maquiadas.

O convite deste texto é não olhar para trás, esquecendo-nos das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de nós estão (A Carta de Paulo aos Filipenses, capítulo 3, versos 13 e 14). O convite deste texto é não vivermos cansados e sobrecarregados com as dores de 2010, mas prosseguirmos rumos às alegrias, dores, felicidade e até mesmos medos de 2011. O convite deste texto é para não deixarmos que o relacionamento que acabou ou as decisões bem ou mal tomadas continuem a nos escravizar. Que o passado permaneça no passado. O que ainda tem de ser resolvido, que seja resolvido, mas com as lentes do presente e do futuro, nunca com as do passado. Não. Somente com as lentes do presente.

Carpe Diem!

“Ei, dor! Eu não te escuto mais, você não me leva a nada. Ei, medo! Eu não te escuto mais, você não me leva a nada. E se quiser saber pra onde eu vou: pra onde tenha Sol, é pra lá que eu vou!” (Jota Quest)

Um comentário:

  1. *--*
    O que posso dizer além?
    Está perfeito, Josimar! Parabéns! Feliz 2011 para você e famíliaa!

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