segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz Ano Novo?


"Você, meu caro, precisa fazê-lo novo."

- Carlos Drummond


Queria poder desejar alguma coisa feliz para as outras pessoas, mas a vida é tão matematicamente caótica que na exatidão dos fatos há sempre as intempéries dos caminhos. Um bebê nasce, um velho morre, um velho renasce e uma criança sofre. A ordem natural das coisas nos coloca ante uma imprevisível lógica da vida (tal qual a deste texto até agora).

Estou aqui para falar que a experiência destes meus vinte e tantos anos só me mostrou que muitos dos nossos desejos são frustrados porque a vida é imprevisível. Até desejo-nos vida, mas é possível que encaremos a morte este ano. Desejo-nos prosperidade, mas possivelmente encontraremos dificuldades. Desejo que tudo se realize no ano que vai nascer, mas é bem possível que dê tudo errado e terminemos o ano dizendo: este é um ano que quero esquecer.

Pessimismo? Não. Realismo! Rubem Alves diz que prefere a beleza da magia à frieza do universo. Mas a lógica do ópio é o entorpecimento; da frieza, a sobriedade. Prefiro a frieza que me trás organização, metodologias e que me desafia a superá-la.

Mas além da frieza da vida e da História, ainda há a debilidade do ser vivo. Ah, este é o mais complicado; não adianta desejar tudo se ele nada quer. Você deseja "Feliz Ano Novo" e no fim das contas só gastou energia com voz, sorriso, abraço e presença. A coisa mais importante que ouvi esse ano foi: você tenta plausivelmente ajudar as outras pessoas, isso é muito bonito, só de olhar na sua cara já confio meus segredos a você, mas já se perguntou se elas realmente precisam e/ou querem sua ajuda? 

Algumas pessoas nada querem! O egoísmo delas te prende, tomando até suas felicitações. E quando "o auge do seu egoísmo é querer ajudar", como diria Raul Seixas, então sobram futilidades, falta objetividade e uma vida mais produtiva. 

E talvez essa percepção seja a um grande passo para a nossa liberdade. Algumas pessoas só ocupam nosso tempo, nossa vida, nossos ouvidos, conselhos, votos etc. Roubam nossa energia, parasitam. Parece que ao desejarmos felicidade elas acham que estamos dizendo que lhe daremos felicidade. Não. Falamos por tradição. Até esperamos (esperança) que elas tenham coisas boas, mas isso depende delas - e da vida.

Não é pessimismo, repito. É realismo, repito. Talvez seja pura introspecção após tantas felicitações que ouvi, mas tantas felicidades que não busquei. Desejaram-me paz no primeiro minuto do ano, terminei em guerra no último. Desejaram-me amigos; isolei-me e fui abandonado. Desejaram-me prosperidade e acabei correndo de oportunidades. Mas como "não há nada de novo debaixo do sol", uso-me como referência porque, ainda que sejamos diferentes, sei que somos bem parecidos.

Vejo este mesmo desafio de autonomia, garra e vontade própria em fazer do "Ano Novo" uma Novidade na clássica Receita de Ano Novo, de Carlos Drummond. Diz o poeta que "para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente; é dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre".

Depende do indivíduo e do sujeito (santa sociologia!), depende da alma (profanando a teologia). Independe do meu "Feliz Ano Novo", do meu sorriso, do meu abraço, da minha presença, da minha voz, do meu gif ou e-mail. Apesar do desconhecido amanhã, depende de você, não de mim. 

Feliz Ano Novo?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Relações Sociais, Liberdade e Egoísmo.

Pra que este nosso egoísmo não destrua nosso coração 
- Será (Renato Russo)


Por mais que eu tente me afastar de relações, seduzo-as e sou abduzido por elas. Na primeira há minha simpatia natural (adaptação corporal para minha sobrevivência social na infância e adolescência) que desarma até ranzinzas (as vezes me pego conversando pacientemente com gente que ninguém mais tolera). Na segunda há toda a atração coerciva que não há como prever ou muito menos fugir, isto porque em nossa espécie a solidão não viabiliza a sobrevivência, mantemo-nos vivos através da família, amigos reais e virtuais (esvaziando os confessionários), colegas, superiores e subordinados (relação profissional). Por isso chamo de abdução, algo violento, imprevisível e incontrolável (e que existe?).

O que me deixa tão temeroso com novas e muitas relações é o poder de controle que elas têm sobre nossa liberdade e privacidade. Lembro-me que na adolescência escrevi um poema após a morte de alguém querido. O poema falava da tristeza de alguém que, em espírito, observava, profundamente triste, a seus familiares e outros tantos desconhecidos bagunçando suas coisas que foram organizadas durante anos, levando "lembrancinhas", lendo seus segredos, seus medos, sonhos e desejos. Revela-me isto que há muito sou assim.

Quando os feromônios me escravizam e logo penso em alguém, sinto-me como um dependente de qualquer outra droga e coloco os pós e contras de seu uso. Percebo, com pouco esforço, que a escravidão seria fatal e que eu não seria mais eu em pouco tempo de uso, mas sim uma pessoa dominada pelo próprio desejo. Liberdade é isso: viver segundo as próprias regras e não impulsionado pelos próprios desejos. Quem vive em função dos seus desejos é um escravo. É assim que vejo os relacionamentos: ópio, vício, dependência. O discurso dos "drogados" é sempre o mesmo: comecei muito cedo, viciei rápido e não tenho forças para parar, ainda que eu queira e saiba que isto está me fazendo mal. 

Contudo, no caso dos relacionamentos, a droga ganha vida e não pode ser rejeitada, torna-se um ser que deve ser respeitado, ainda que faça mal (?). A reciprocidade da dependência é enorme neste caso. Tornamo-nos a droga da droga. Batemos e apanhamos por vício e desejo. Não posso mesmo me dar ao luxo desse vício! Sei que estou na contramão da sociedade e dos meus próprios desejos, mas uma relação tem que ser muito contratual, com tudo muito bem estabelecido antes para que não haja dominação. E se ela houver, que seja também contratual. Se eu pudesse faria um contrato de relacionamento e pediria a todos que aparecessem em meu caminho que o lessem e assinassem-no. Está aí mais uma utopia. Mas é uma boa ideia; não?
   
Talvez haja níveis seguros para o consumo desta droga ou uma maioridade segura para seu uso. Mas enquanto isto permaneço somente nas relações inevitáveis, coercitivas e necessárias (ou seja, em todas, talvez). Nada posso concluir sobre isso, só laborar e elaborar! Eis a condição da minha existência: cogitar.